Em poucas palavras: o Congresso discute regras nacionais para identificar quem usa a inadimplência como “modelo de negócio”. Isso pode trazer medidas mais rígidas de fiscalização — mas também há salvaguardas de defesa para evitar injustiças.
O que é o PLP 164/2022 e por que importa:
O PLP 164/2022 pretende regulamentar o art. 146-A da Constituição para criar normas gerais que identifiquem e controlem o devedor contumaz — aquele que deliberadamente estrutura a operação para não pagar tributos e obter vantagem competitiva desleal. Não é para confundir com a empresa que, de forma pontual, passa por dificuldade de caixa.
Estágio da tramitação:
- Situação (set/2025): aprovado na CCJ do Senado e em análise na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) para depois seguir ao Plenário.
- Projeto relacionado: o PLP 125/2022 (Código de Defesa do Contribuinte) foi aprovado pelo Plenário do Senado em 02/09/2025 (dois turnos) e seguiu para a Câmara dos Deputados.
Quem é (e quem não é) “devedor contumaz”:
Não é contumaz quem atrasa eventualmente por motivo excepcional. É contumaz quem repete a inadimplência e monta estruturas para burlar a arrecadação. O projeto de lei complementar estabeleceu critérios objetivos para sua caracterização, exigindo a inadimplência reiterada, substancial e injustificada de tributos, considerando-se:
- substancial: em relação aos tributos federais, a existência de créditos tributários em situação irregular, inscritos em dívida ativa ou constituídos e não adimplidos, em âmbito administrativo ou judicial, cujo valor principal seja igual ou superior a R$ 15 milhões e correspondente a mais de 100% do seu patrimônio conhecido, correspondente ao total do ativo informado no último balanço patrimonial constante da ECF ou ECF. Neste particular, a proposta autoriza aos estados, municípios e o distrito federal a definirem valores distintos por meio de legislação própria;
- reiterada: a manutenção de débitos em aberto (sem garantia ou causa suspensiva) por quatro períodos de apuração consecutivos, ou em seis períodos de apuração alternados, no prazo de doze meses;
- injustificada: a inadimplência desvinculada de circunstâncias externas (ex.: calamidade pública) ou internas (ex.: resultados negativos sucessivos), desde que não haja fraude à execução.
Sinais de alerta previstos no projeto:
- Reiteração de não pagamento: 4 períodos seguidos ou 6 alternados em 12 meses.
- Tamanho do passivo: débitos a partir de R$ 15 milhões (valor atualizado) ou superiores a 30% do patrimônio conhecido.
- Sem “amparo”: inexistência de causa suspensiva (parcelamento/depósito válido), garantia idônea ou fundamento jurídico relevante.
- Indícios objetivos: fraude, uso de “laranjas”, ocultação patrimonial, ligação com mercadoria roubada/falsificada/contrabandeada etc.
O que as autoridades poderão fazer:
O projeto permite a adoção de critérios especiais de fiscalização e arrecadação, por lei específica de cada ente:
- Fiscalização ininterrupta no estabelecimento.
- Controles especiais do recolhimento e da emissão de documentos fiscais.
- Equipamentos compulsórios para monitorar produção, estoque e vendas.
- Mudança do momento do fato gerador (antecipar/postergar) e regime de estimativa.
- Alíquotas específicas (por unidade ou ad valorem) com ajustes posteriores.
- Setores inicialmente mais sensíveis: combustíveis, bebidas alcoólicas e cigarros. Outros setores podem ser incluídos se houver demonstração de desequilíbrio concorrencial.
Quais os possíveis efeitos para a empresa enquadrada:
Se, pelas regras gerais e pela lei específica local, a empresa for caracterizada como contumaz, podem ocorrer:
- Suspensão ou cancelamento da inscrição cadastral (CNPJ, inscrição estadual, inscrição municipal)
- Vedação a benefícios fiscais.
- Responsabilização solidária de sócios/administradores e terceiros envolvidos com dolo ou conluio.
Freios e contrapesos (direitos de defesa):
Para evitar abusos, o projeto prevê:
- Intimação prévia e prazo mínimo de 30 dias para defesa.
- Recurso com efeito suspensivo, a ser julgado em até 90 dias (não julgado nesse prazo, o regime diferenciado é cancelado).
- Encerramento do procedimento com pagamento ou suspensão com parcelamento antes da decisão de 1ª instância. Em outras palavras: regularizar rápido (pagar/parcelar) interrompe ou suspende os efeitos mais pesados enquanto o caso é analisado.
Oportunidades quando a casa está em ordem:
- Previsibilidade: critérios nacionais claros sobre o que é contumácia.
- Filtragem melhor: foco em quem frauda de forma estruturada, protegendo quem está regularizando.
- Direito de defesa: prazos e exigência de base técnica para medidas mais duras.
Riscos para quem tem passivo relevante:
- Enquadramento por números: atingir os gatilhos sem causa suspensiva/garantia aumenta o risco.
- Barreiras operacionais: suspensão/cancelamento de inscrição afeta operação, crédito e fornecedores.
- Reputação: regimes especiais e maior publicidade podem impactar bancos e mercado.
Checklist de autodiagnóstico:
1) Quanto é o passivo total? Some débitos declarados e inscritos. Está ≥ R$ 15 milhões ou > 30% do patrimônio?
2) Há causa suspensiva? Existe parcelamento vigente, depósito ou garantia idônea?
3) Houve reiteração? Ocorreram 4 períodos seguidos ou 6 alternados sem recolhimento em 12 meses?
4) Sinais de risco? Há algo que possa parecer estruturação para inadimplir (laranjas, ocultação, documentação frágil)?
5) Setor sensível? Combustíveis, bebidas, cigarros ou cadeias correlatas.
Se assinalou 2 ou mais itens: priorize ações de regularização e blindagem documental.
Como se proteger (plano de ação em 5 passos):
1) Regularize o que for possível (adesões/repactuações de parcelamentos, depósitos, garantias idôneas).
2) Fortaleça o dossiê (balanços, fluxo de caixa, fatos extraordinários, pareceres, decisões administrativas/judiciais favoráveis).
3) Reforce controles (emissão fiscal, estoque, vendas, SPED, políticas com terceiros).
4) Monitore gatilhos (valores e reiteração) com relatórios mensais.
5) Treine equipes (fiscal/financeiro/comercial) para prevenir condutas que gerem indícios de fraude.
Perguntas frequentes (FAQ rápido):
1) Minha empresa atrasou ICMS/ISS por 3 meses. Isso nos torna “contumazes”? Não necessariamente. O conceito trabalha com reiteração, valores relevantes e indícios objetivos. A regularização rápida e a existência de causa suspensiva reduzem o risco de enquadramento.
2) Parcelamento ajuda?
Sim. Parcelamento válido é causa suspensiva e pode evitar a aplicação ou suspender medidas enquanto o caso é analisado.
3) Pode atingir setores fora de combustíveis/bebidas/cigarros?
Pode, desde que a lei local justifique tecnicamente o risco concorrencial e siga as balizas da lei complementar.
4) E os sócios?
Sócios/administradores e até terceiros podem responder solidariamente quando houver dolo, fraude ou conluio.
Tem passivo fiscal relevante? Fale com nosso time tributário e vamos avaliar o seu risco de enquadramento e preparar um plano de conformidade sob medida.