Nos últimos dias, casos de bebidas alcoólicas adulteradas com metanol ganharam espaço no noticiário e nas redes sociais, resultando em graves intoxicações e até mortes. Esses episódios não afetam apenas a saúde pública, abalam a confiança do consumidor, expõem fragilidades de controle e revelam a vulnerabilidade de toda a cadeia produtiva: fabricantes, distribuidores, bares e restaurantes.
O problema ultrapassa a esfera penal e regulatória. Há um reflexo direto na responsabilidade civil e contratual e reputacional das empresas envolvidas. Afinal, quando ocorre uma notícia de adulteração, o consumidor não enxerga o fornecedor oculto na cadeia produtiva: ele reconhece a marca estampada no rótulo.
Responsabilidade Solidária no Direito do Consumidor
O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) estabelece a responsabilidade solidária entre todos os integrantes da cadeia de fornecimento. Isso significa que, mesmo que a adulteração ocorre na origem, longe do ponto de venda, a empresa titular da marca responderá perante o consumidor pelos danos causados.
O reflexo reputacional é imediato. Muitos empresários acabam sendo forçados a se pronunciar publicamente para afirmar que “são sérios” e que seus produtos são seguros. Em outras palavras, a conduta ilícita de alguns acaba manchando a credibilidade de todo um segmento.
A Importância da Rastreabilidade e a Compra Formalizada
Para mitigar riscos, não basta confiar em fornecedores habituais. É indispensável adotar mecanismos que permitam rastrear a origem e a regularidade dos produtos (etapas de aquisição e comercialização). Entre as medidas recomendadas estão:
- Rastreabilidade da cadeia produtiva: exigir informações sobre procedência, certificações e histórico de conformidade do fornecedor;
- Proibição de compras sem nota fiscal: além de garantir a legalidade da operação, esse cuidado viabiliza o rastreamento de responsabilidades e evita autuações fiscais;
- Due diligence de terceiros: verificar, antes da contratação, se o fornecedor cumpre normas sanitárias e ambientais, possui registros regulares e adota boas práticas de produção.
Essas medidas não são burocracia. Elas representam a base da governança empresarial em cadeias que envolvem alto risco à saúde pública e à reputação da marca.
O Contrato como Ferramenta de Gestão de Riscos
O contrato de fornecimento é o instrumento jurídico que transforma boas práticas em obrigações concretas. É nele que a empresa deixa de “confiar” e passa a “controlar”, estabelecendo regras claras de qualidade, rastreabilidade e responsabilidade.
Embora o assunto central das notícias recentes esteja voltado às bebidas adulteradas, a lógica de prevenção é a mesma para qualquer tipo de fornecimento, seja de alimentos, insumos industriais, embalagens, cosméticos, medicamentos ou equipamentos. Em todos esses segmentos, a perda de controle sobre o fornecedor pode gerar riscos graves: paralisação da produção, recall, sanções regulatórias e abalo reputacional.
Longe de ser um documento engessado, ele deve refletir a realidade operacional do negócio e os padrões de controle esperados. Cada cláusula precisa refletir riscos concretos (porque elas estão no contrato?), previsão de resposta rápida e formas de responsabilização eficaz. Um contrato de fornecimento bem elaborado, considerando a operação do real da empresa, permite: condicionar pagamentos à comprovação de conformidade documental; exigir padrões técnicos e sanitários específicos; definir planos de contingência e recall; prever indenizações proporcionais ao dano reputacional; autorizar a rescisão imediata em caso de indícios ou prova de fraude, adulteração ou descumprimento regulatório.
Mais do que reproduzir obrigações genéricas, cláusulas bem desenhadas traduzem a postura preventiva da empresa. Alguns exemplos práticos:
- Rastreabilidade e Origem: “O FORNECEDOR deverá assegurar a rastreabilidade completa dos produtos entregues, informando a origem dos insumos, lote de produção e data de fabricação, mantendo registros disponíveis por, no mínimo, cinco anos. O descumprimento desta obrigação autoriza a CONTRATANTE a suspender pagamentos até a regularização.”
Valor estratégico: torna o contrato um instrumento de transparência e controle da cadeia produtiva, reforçando compliance e reputação. - Comunicação de Crise: “Em caso de suspeita ou ocorrência de adulteração, o FORNECEDOR deverá comunicar a CONTRATANTE em até 24 horas, apresentando plano de ação para recolhimento dos produtos e comunicação às autoridades competentes. O silêncio ou omissão acarretará multa e responsabilização integral pelos danos à imagem e ao caixa da CONTRATANTE”.
Valor estratégico: cria um protocolo de resposta imediata, importante para reduzir danos reputacionais e financeiros. - Fornecimento Formalizado:” É vedada a entrega de produtos sem a emissão da correspondente nota fiscal eletrônica. A CONTRATANTE poderá reter pagamentos relativos a fornecimentos não documentados, aplicando multa de 20% sobre o valor da operação irregular.”
Valor estratégico: Reflete a preocupação prática com segurança jurídica e compliance fiscal, evitando “atalhos” que podem custar caro.
O combate às bebidas adulteradas não depende apenas de ações estatais de fiscalização, mas também de práticas empresariais responsáveis. Isso envolve, entre outros cuidados: saber de quem você compra, rastrear a origem, formalizar as operações.
Um contrato de fornecimento não precisa ser longo e complexo. Precisa ser estruturado, equilibrado e preventivo, servindo como verdadeiro instrumento de proteção da marca e do setor como um todo.
Nesse contexto, nosso time da área contratual está preparado para apoiar empresas na revisão e estruturação de seus contratos.