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Publicações - 24/07/25

O risco invisível das benfeitorias em imóveis alugados: como o investimento do locatário pode virar aumento de aluguel

É comum que locatários comerciais realizem investimentos expressivos nos imóveis alugados, por meio de obras de adaptação, expansão ou melhoria, visando adequá-los à operação da empresa. O que nem sempre é avaliado com o devido cuidado, é o efeito jurídico desses investimentos na própria relação contratual de locação.

Na prática, o locatário que melhora o imóvel com recursos próprios pode acabar sendo surpreendido com um aumento do aluguel exatamente em razão da valorização que ele mesmo proporcionou. Isso ocorre, principalmente, quando o contrato é omisso quanto ao tratamento jurídico das benfeitorias.

Esse entendimento é respaldado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que consolidou a posição de que, na ausência de cláusula contratual em sentido contrário, as benfeitorias realizadas pelo locatário, uma vez incorporadas ao imóvel, devem ser consideradas na revisão do valor locatício.

Isso se fundamenta no artigo 19 da Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/91), que permite a revisão do aluguel com base no valor de mercado do imóvel, considerando todas as suas valorizações (veja mais detalhes em https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisa_pronta/toc.jsp?livre=@docn=%27000006292%27).

O raciocínio é simples: se o imóvel foi valorizado — independentemente de quem financiou essa valorização — o novo valor locatício deve refletir o preço de mercado.

O risco jurídico é claro: o locatário pode acabar pagando duas vezes.

Primeiro, ao investir nas obras que viabilizam ou potencializam a sua operação; e, posteriormente, ao sofrer um aumento do aluguel causado justamente por essas melhorias, caso o contrato não estabeleça disposições claras a respeito.

Esse risco é especialmente relevante para empresas de setores que exigem grandes investimentos em estrutura física, como o varejo supermercadista e a indústria.

Exemplos práticos:

No setor de supermercados, é comum que o varejista assuma custos elevados para transformar um imóvel em um ponto comercial adequado à operação, como a ampliação da área construída, instalação de câmaras frigoríficas, reforço das redes elétricas, sistemas de climatização, construção de vestiários e a doca, essencial para o recebimento e escoamento de mercadorias. Tudo isso é feito às custas do locatário, com o objetivo de garantir o bom funcionamento da loja.

O problema surge durante a negociação da renovação ou em uma eventual ação revisional, quando o locador propõe um reajuste substancial do aluguel, baseado justamente na valorização do imóvel gerada por essas intervenções. No varejo alimentar, o valor do ponto comercial pode superar o próprio valor físico do imóvel, tornando o impasse ainda mais delicado. Sem cláusulas protetivas, o investimento feito pelo locatário pode acabar se tornando prejudicial, ao resultar no aumento do aluguel.

No setor industrial, a situação é semelhante. Imóveis industriais são frequentemente adaptados com estruturas complexas, como fundações reforçadas, linhas de produção, sistemas hidráulicos e elétricos técnicos, e sistemas de exaustão e climatização industrial. Sem uma previsão contratual clara sobre o efeito dessas benfeitorias, o risco é que essa valorização seja incorporada ao patrimônio do locador, resultando em aumento do aluguel.

Prevenção jurídica: o contrato como ferramenta de proteção patrimonial.

O risco é real, mas pode ser mitigado por meio de instrumentos contratuais bem estruturados. Algumas alternativas que já praticamos em operações locatícias:

1) Prever o tratamento das benfeitorias no contrato

É essencial que o contrato contenha cláusula dispondo que as benfeitorias realizadas pelo locatário não serão consideradas para fins de revisão ou reajuste do aluguel, ainda que permaneçam incorporadas ao imóvel.

2) Estabelecer o direito à indenização ou retirada das benfeitorias

O contrato deve indicar se o locatário poderá ser indenizado pelas benfeitorias (conforme art. 35 da Lei 8.245/91), ou se poderá removê-las, quando possível. O silêncio contratual gera incerteza, e a interpretação tende a favorecer o locador, que é o proprietário do imóvel.

3) Condicionar a realização das obras à autorização expressa do locador

A execução de qualquer benfeitoria deve ser subordinada à autorização prévia e expressa do proprietário, com registro formal. Essa prática assegura que as partes estejam alinhadas quanto à natureza das obras e seus reflexos patrimoniais e contratuais.

4) Vincular a revisão do aluguel apenas a fatores externos

É possível delimitar, contratualmente, que o valor do aluguel poderá ser revisado apenas com base em critérios de mercado alheios às benfeitorias executadas pelo locatário, evitando assim que o próprio investimento se converta em ônus.

5) Celebrar contratos acessórios em caso de investimentos vultosos

Sempre que o locatário assumir investimentos significativo para seu caixa — como ampliações estruturais ou adaptações industriais —, é recomendável celebrar um contrato específico ou aditivo, nos moldes de operações de built-to-suit (construção pelo locador) que regulamente com clareza o destino das obras, sua influência na remuneração da locação e o tratamento em caso de rescisão ou renovação.

Nenhuma dessas soluções é absoluta, pois são passíveis de questionamentos, considerando o direito de propriedade do locador, mas todas contribuem para fortalecer a posição do locatário e criar um ambiente contratual que dará respaldo para eventual disputa entre as partes.

Conclusão: investimentos relevantes em imóvel alugado exigem o mesmo nível de cautela que se teria na aquisição do bem. Não basta confiar na relação comercial ou na expectativa de bom senso: é necessário antecipar cenários e definir regras, com clareza, em contrato.

A atuação jurídica preventiva é essencial nesses casos. A redação técnica e cuidadosa do contrato de locação é a principal ferramenta para garantir segurança jurídica e previsibilidade econômica à empresa locatária. Contratos mal elaborados podem transformar uma decisão estratégica em passivo oculto — e, em tempos de margens apertadas, isso pode custar caro.

Nesse contexto, nosso time da área contratual está preparado para apoiar empresas na revisão e estruturação de seus contratos.

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